A linguagem pode ser compreendida como um conjunto de sinais com significados, decodificados e aplicados nas relações e nos processos humanos de comunicação. Cada grupo estabelece seus códigos de compreensão que se aperfeiçoam e se ampliam conforme as necessidades e finalidades do tempo. Daí que, tanto mais afinidade, mais compreensão, e o menor sinal revela uma ação e seu sentido. A palavra é um destes, do qual quero hoje falar.
Nossa primeira comunicação dá-se com a mãe, desde o primeiro instante em que deixamos o útero e somos levados ao encontro do olhar e do rosto materno. Daí em diante, se estabelece um diálogo pelo olhar, o falar, o tocar e o acolher. Assim que aprendemos a falar, a palavra se torna o primeiro e o mais importante meio de comunicação entre os humanos. Agostinho de Hipona (+430), diferencia a voz da palavra, dizendo que esse som faz entender a palavra e, quando isso ocorre, o som desaparece, mas a palavra que lhe transmitiu permanece em seu coração, sem haver deixado o meu.
Agostinho, o santo filósofo, a isso se refere quando fala dos diálogos de João Batista e Jesus.
E os nossos diálogos, como andam? Temos falado mais entre nós e sobre nós? Temos aprendido a ouvir? Quando juntos: quem tem direito à palavra e sobre o quê? E, depois da palavra, temos reencontrado a relação mediada por ela? Quantas vezes ao dia fazemos dezenas de conexões virtuais sem, sequer, levantar os olhos para ver quem está ao nosso lado? Com os distantes, sempre muitas palavras e com os de casa? Por que não privilegiar o diálogo com quem comparte o teto, o trabalho e a terra? Quanto mais harmônicas e saudáveis são as relações humanas, tanto mais o diálogo se torna um imperativo indispensável e uma experiência a ser conquistada.
O tempo da pandemia tem sido apenas um ensaio para um despertar deste longevo ingrediente que dá sabor: o diálogo. Então, desde já, que reaprendamos a falar em casa, com os de casa, sem a fuga da via virtual, mas no real, no papável, na família de coração e de sangue. "Bebês adultos" que elaboram teses doutorais na academia, em casa, mal sabem dizer alguns monólogos: "sim", "não", "pode ser", "tô indo".
Quando estabelecido o diálogo, que comecemos pelas amenidades e demos-lhe conteúdo e qualidade, depois, do prólogo. Nesta conexão, a palavra e a voz recompõem sentimentos e afetos e realizam um ato terapêutico que cura feridas de um silêncio represado. Fala terapêutica, sem hora marcada, sem tempo determinado, sem mediação externa, sem a desnecessária briga familiar para pôr os pontos nos "is".
E quando interpretamos os porquês do tempo presente, sob a ótica da esperança, nada dele é malfazejo e nefasto, pois, sob essa forma de considerar, o tempo da pandemia deixará como legado o direito à volta da palavra ao lar, timbrado com o tom da voz de cada um com sua história, mesmo que tenhamos que falar em nome dos que partiram. Falar de si e dos seus, para restaurar o tempo sem falar, mesmo que, ao escutar, tenhamos que chorar.
Texto: Enio José Rigo
Pároco da Catedral